“Eu sinto que a gente é mosaico. Vários pedacinhos de várias pessoas vão compondo a nossa trajetória. Esse mapa geográfico da vida se entrelaça com o afetivo — e é essa rede que alimenta a coragem de seguir, mesmo quando o barco balança…”
Tô muito animada por, finalmente, dar início a essa nova vertente do “Um Lugar de Si”, que carinhosamente eu chamo de “Conversa de Um Lugar”. É uma oportunidade de ampliar o que eu comecei este ano: conversa e fotografia entrelaçadas, mas dessa vez partindo de trocas mais profundas. Não irei te apresentar como um podcast que se propõe a trazer episódios periódicos. Neste projeto, áudio, texto ou fotografia são, tão somente, o meio para uma mensagem que quero trazer. Me propus, então, a criar uma espécie de caderno vivo, como um diário de campo, onde você poderá testemunhar as minhas criações e construções ao passo que elas acontecem. A cada mulher, a cada conversa, a cada troca… não irei guardar, amadurecer e meses depois trazer ao mundo. Dividirei com você antes de ganharem novos formatos, para documentar processo, construir caminho, e descobrir o que pode vir a se tornar possível. (Coisa bonita isso de descobrir novos sonhos e possibilidades através do movimento, concorda?).
Eu conheci a Giu através das redes sociais. Como de praxe, quando há conexão, logo dou um jeito de ir para fora e para longe do celular. A convidei para um café. Ela aceitou. Marcamos numa (rara) quarta-feira de sol em São Paulo, após nossa aula de yoga, e falamos sem parar por duas horas. Saímos dali marcando um próximo encontro. Lembro de, nesse mesmo dia, já convidá-la para participar desta versão de continuidade do projeto, e ela topou de imediato. Cá estamos. De repente, mas não tão ao acaso assim, hoje posso dizer com alegria que a Giu é também uma das minhas parceiras de trabalho aqui no estúdio, proposta que fiz a ela alguns dias depois do nosso primeiro encontro. Então nada mais especial que recomeçar por ela!
No link, você poderá dar play para ouvir toda a nossa conversa, gravada de maneira casual e espontânea.
Uma introdução: Giu Frascino é uma artista de muitos caminhos. Para ela, a palavra é sempre fio condutor: pode virar livro, oficina, poesia, ou simplesmente um gesto de comunicação que atravessa corações. Ela enxerga a sua arte como semente: pequena, mas potente. Plantada no tempo de cada pessoa. Lisboa marcou sua primeira sensação de pertencimento. Foi longe do seu (nosso) país, mas perto de si mesma, que ela se sentiu ocupando de fato um lugar no mundo. E pela primeira vez a sua arte (e a sua vida?) ganhou traço, imensidão e cor. O seu propósito é simples e profundo: atravessar corações. Ser ponte. Seja com poesia, design, oficinas ou com a palavra falada, o que a move é provocar sensações que nos enraízam. Abaixo eu te convido a ler um pedaço desse café gostoso que tomamos juntas, com boas risadas, reflexões e um papo pra lá de profundo (como gostamos!). Foi transcrito e editado por mim, tão somente na medida para que a leitura se desse fluida e não perdesse o sentido. Bora lá?
Bia Brito: Giiiu, conta um pouquinho de ti primeiramente? Eu amo aquele vídeo do teu Instagram que tu fala, “eu sou artista, ponto”.
Giu Frascino: Eu acredito muito nessa definição porque ela engloba muitos fazeres da minha vida, porque a criatividade, ela permeia todos eles. Inclusive é um desafio viver a partir da criatividade, porque a gente não consegue se definir numa caixinha específica, né? Onde é que a criatividade pode me levar, eu vou, sabe?
Bia Brito: Tu me contou que fez um Mestrado em Lisboa. Fala da tua trajetória, só pra gente dar uma contextualizada.
Giu Frascino: Tá bom. Eu tenho 30 anos, eu vim para São Paulo quando eu tinha 17, fazer artes visuais. Eu entrei nesse universo das artes quando eu tinha mais ou menos 15, quando comecei a pintar, mas lá em São José do Rio Preto, então as referências de arte que eu tinha eram muito dos ismos, impressionismo. Era tudo muito acadêmico, né? Mas eu comecei a mergulhar um pouco nisso e decidi fazer artes. Eu sabia que eu queria criar, mas eu não sabia como. Eu fui riscando tudo que eu não gostava e sobrou artes.
Eu lembro desse dia, em que eu abri o computador e eu olhei a grade lá da FAAP, e vi a grade de disciplinas e tinha “laboratório experimental do corpo”. Eu pensei, caraca, eu não faço ideia o que seja isso, mas achei muito legal, quero fazer isso. Durante a faculdade, testei todos os tipos de técnicas possíveis. Mas sempre teve algo muito presente. Pra mim, que sempre foi a palavra. Então, eu comecei a entrar nesse caminho dentro da minha pesquisa também como artista.
Bia Brito: Teve algum momento em que tu acreditou que não era pra ti esse espaço, ou que tu não legitimou o teu ir? Me intriga que desde nova você já foi estudar arte.. e eu acho louco e inspirador você olhar e dizer: sobrou artes, vou lá ver, entende? Então, como foi isso nessa tua relação de se ver artista e de se autorizar e dizer: vou lá explorar isso aqui que eu quero?
Giu Frascino: Nossa, mas assim, é um lugar completamente cheio de inseguranças, que não é assim romantizado, é zero. Na verdade, é uma eterna insegurança que eu percebo até hoje. (…) É o mal da nossa sociedade que não legitima o que a gente faz, não valoriza o que a gente faz, principalmente nas artes onde o valor é construído em cima de camadas moventes e complexas.
Bia Brito: Tu fala, eu já te vi escrevendo que “toda palavra é o início e o fim de qualquer coisa”, fala mais sobre isso, o que representa pra ti?
Giu Frascino: Essa frase, nasceu na primeira oficina que eu realizei na vida. Que aconteceu lá em Lisboa, no Pátio Nº 2, que era o ateliê que eu fazia parte. É um projeto muito lindo. E essa frase nasceu porque a gente começou um diálogo de perguntas sobre o início e o fim. Os conceitos opostos me atraem muito enquanto pesquisa. O quanto cabe numa palavra todas as faces. Eu acho isso muito incrível. E é quase como acessar o eixo. Se a gente esticar uma palavra, ela pode ir para o infinito. Em relação ao início e o fim, eu comecei a refletir sobre os dois serem a mesma coisa. Um não vive sem o outro. Trabalhar com esses conceitos opostos sempre me instigou. Quais são todas as faces dessas duas palavras? Onde elas se encontram? Onde uma deixa de ser a outra? Onde uma complementa a outra?
Bia Brito: Eu quero aproveitar e fazer um comparativo, porque você tá falando da palavra, de esticar a palavra… e eu quero trazer isso pra ti: se tu fosse falar quem é Giu, nesse lugar de se esticar, sem necessariamente estar falando sobre a artista ou o teu fazer, como ofício, quais são todas essas Gius que estão contempladas aí dentro do teu nome, você enquanto pessoa, como tu falaria de si mesma, tudo que contempla o teu nome, quem você é?
Giu Frascino: Nossa, é uma pergunta muito interessante. Porque está muito emaranhado com a minha arte, não consigo ver uma divisão. Se eu pensar na Giulia, nesse lugar enquanto sujeito eu acho que tem muita coisa do sonho, tem muita coisa da imaginação. Tem muita coisa aqui de uma Giulia que ama viver personagens diferentes e eu acho que isso acaba costurando muito todas as atuações dentro da minha pesquisa.
Sinto que quando você me confronta como é que eu me entendo nessa forma, nesse corpo, como é que eu entendo o meu lugar aqui, é muito dessa curiosidade, tem um bichinho da curiosidade que é o que me movimenta, é o que me movimenta na minha arte, me movimenta nas minhas coisas, na minha vida pessoal, na minha vida.
Bia Brito: Me chamou a atenção quando, na nossa primeira conversa, tu me contou sobre a tua volta de Lisboa para cá, o quanto tem sentido dificuldade, a diferença cultural na relação com as pessoas e desse fazer da cidade, e como aprofundar e estreitar esses laços, dentro dessa realidade. Qual que tu sente que é a tua maior dificuldade nesse teu retorno de lá pra cá, por que você é uma pessoa que nasceu em São Paulo, né? Passar quatro anos fora, e daí retornar, como que você tem feito esse caminho de construir esses teus lugares aqui na cidade?
Giu Frascino: É um processo em construção. É um lugar em construção. Quando você pergunta qual é o maior desafio, eu penso logo no tempo. Na palavra tempo e na palavra intimidade. E outra palavra que eu penso muito que é a digestão. São Paulo não te dá nem o tempo e nem o espaço de intimidade para você digerir coisas. Então, a cultura e a arte entram muito nesse papel da digestão. É a forma que a gente digere. E, como eu te falei, essa minha chegada, ela travou um pouco meu processo criativo, porque mudar de país balança o barco, né? Balança o barco, você sente enjôo, você fala, putz, não consigo desenhar agora. Mas… E eu sinto que a adaptação de volta nessa cidade faz a gente não digerir, a gente engole coisas, a gente até contrai o corpo fisicamente. Eu percebi que em Lisboa eu dançava, aqui eu parei de dançar. Eu preciso voltar à dança, porque acredito também muito na nossa relação com nosso corpo, e o quanto isso influencia na cidade.
Bia Brito: Pra ti, o que representa casa? Que lugares que te dão a sensação de casa?
Giu Frascino: Atualmente eu acredito serem os meus afetos e a minha arte que me dão sensação de casa. Atualmente não é lugar… É abraço, muita energia feminina. O estar junto com mulheres, tem sido também um lugar casa, sabe? Me nutrir desse coro feminino.
Bia Brito: O que muda quando você está cercada de mulheres?
Giu Frascino: Existe um lugar de compreensão muito amplo. Você se sente extremamente compreendida. Às vezes com uma palavra. Eu sinto que a vulnerabilidade é completamente compartilhada e compreendida. E isso é raro. É muito raro. Porque é isso. Como eu te falei, eu sinto que são tempos em que a vulnerabilidade não tem nem tempo para florescer, não tem espaço, não tem intimidade, né? Então…
Bia Brito: Eu gostei do que tu falou sobre a relação com a cidade, a horizontalização. Eu tenho pensado muito sobre as nossas faltas. A gente vive uma epidemia de solidão hoje, né? Na rede social, estamos cada vez mais conectados e desconectados. Eu fico refletindo sobre isso, assim, nossa necessidade enquanto ser humano. De sermos interdependentes e buscarmos esse pertencimento, essa conexão humana, genuína, do olhar, de tudo. E ao mesmo tempo, os isolamentos. Então eu fico pensando, por que, às vezes, mesmo cercados, a gente se sente tão sozinho? E a palavra que me vem é cumplicidade. Dá pra brincar com a palavra cumplicidade e a palavra cidade, a partir da ideia de cumprir algo na cidade. E aí eu tô nessa pira agora.
Tu falou sobre tempo e espaço e que em São Paulo não dá tempo pra gente digerir as coisas. E é muito importante ter consciência disso porque acho que a pergunta que me vem em seguida quando eu escuto isso é, então como abrir esses espaços e esse tempo pra que as coisas sejam digeridas e uma vida possível possa acontecer na cidade? Como interromper esse fluxo para você não ser engolida pelo ritmo externo? Tu tem alguma resposta? Porque Lisboa tem outro ritmo.
Giu Frascino: É um contraste enorme. É muito difícil achar esses espaços de silêncio mesmo, então eu tenho buscado momentos. Acho que a gente tem que buscar esses momentos em que o tempo dilata um pouquinho. Seja numa conversa, num café da manhã devagar com alguém. Ou, sei lá, naquele dia tá, putz, muito corrido, muita coisa e vai uma coisa emendando na outra, não sei o quê. Consegui ter 15 minutos de conversa infinita, sabe? Ou fiz algo que eu amo, ou dancei por uma hora. Aquilo dilata o tempo. Aquilo me faz vir pro chão, sabe? Enraiza.
E eu fico pensando como é que a gente aplica isso numa cidade grande? Como é que a gente acha esses lugares? É possível, certeza. Tem que ser.
Bia Brito: A cidade, ela pode ser palco do encontro e também do vazio da gente. Então se o que a gente vive e o modo como a gente forma a nossa vida pode ser palco de encontros e desencontros, quem é a gente nessa costura?
Giu Frascino: Tem uma coisa assim, que às vezes é difícil a gente costurar o nosso lugar sozinha. Nosso ser sozinho na cidade. Porque você nunca tá sozinho, você tá sempre com a Giulia dos amigos, a Giulia filha, a Giulia namorada. São vários papeizinhos que a gente entra, né? Isso em qualquer cidade. Eu digo isso mais no sentido de como é que a gente encontra esses momentos em que a gente tá verdadeiramente sozinho, né, com a gente, isso é tão importante.
Bia Brito: Falando desse outro agora, quem você acha que mais te ensinou sobre ocupar os seus espaços, que te incentivou a ir, a se espalhar ou silenciar, se recolher quando necessário?
Giu Frascino: Nossa! Ai, é tanta gente. Eu sinto que a gente é mosaico. São vários pedacinhos de várias pessoas que vão compondo a nossa trajetória. Eu me sinto muito preenchida nesse sentido. Muitas pessoas me inspiraram a mergulhar nesse bichinho, assim, da curiosidade e de ser artista. Eu acho que cada um de uma forma. A rede de amigos, família, família num lugar específico, os amigos em outros. Eu acredito muito que os nossos afetos ajudam a gente a formar esse mapa geográfico da nossa vida. Está muito entrelaçado o geográfico com o afetivo
Bia Brito: Como abrir esses espaços de fôlego?
Giu Frascino: Acho que a gente tem que buscar momentos em que o tempo dilata. Uma conversa de 15 minutos que vira infinita. Um café da manhã devagar. Ou dançar uma hora, mesmo num dia corrido. São nesses pequenos instantes que a gente encontra refúgios de silêncio. E eu sinto que a arte tem esse papel: devolver fôlego, interromper o fluxo, criar espaços possíveis de vida dentro do caos urbano…
Bia Brito: Esse lugar do outro como constituinte da gente… Teve algum momento em que você acreditou que não era pra você esse espaço, ou que você mesma não legitimou o seu ir?
Giu Frascino: Nossa, mas assim, é um lugar completamente cheio de inseguranças, que não é assim romantizado, é zero. Na verdade, é uma eterna insegurança que eu percebo até hoje. Quando você vai precificar trabalho, por exemplo, sobre as próprias conquistas. Às vezes, pra você ter noção, eu esqueço que eu publiquei um livro. Eu não lembro. É o mal da nossa sociedade que não legitima o que a gente faz, não valoriza o que a gente faz, principalmente nas artes onde o valor é construído em cima de camadas moventes e complexas.
O mercado fica completamente perdido na hora de fazer isso, então é muito difícil. Por isso que você tem que ter uma extra-força, extra fôlego para estar o tempo todo falando para si mesma: vamos aí, isso é bom, ou isso é bom, não, isso é importante. Porque não entra nem o feio, bonito, bom, ruim. É sobre entender que na nossa arte existe algum propósito, alguma responsabilidade de comunicar, de estar no mundo, de atravessamento, poder de atravessamento, que muitas vezes é nisso que eu foco, sabe?
Bia Brito: Consegue dizer o que te move? Qual é a causa? Que mensagem é essa que tu quer deixar no mundo através do trabalho e levar adiante?
GF: Existe algo no meu propósito que tá em traçar essas pontes de atravessamento. Quando eu vejo alguma coisa que eu fiz ressoando no coração de alguém, sabe? É atravessamento do coração. Eu gosto muito da palavra coração pra pensar processos, porque é uma palavra muito usada em contextos românticos. E é uma palavra que é tão importante quanto qualquer outra. É uma palavra muito bonita, né? A coragem vem do coração. É uma palavra que eu enxergo como na ponta da flecha do meu propósito, sabe? Porque eu imagino que se atravessa o coração num sentido não romântico, mas sentido de qualquer coisa, entende? Move qualquer coisa. Se a pessoa se incomoda, ela sente incômodo, ela sente vazio, ela sente amor, ela sente qualquer coisa. Então, provocar sensações do coração tem sido um caminho muito gratificante.
Bia Brito: É como se o teu fazer, o seu ofício enquanto arte, é promover esses espaços onde as pessoas possam ter tempo pra digerir e serem tocadas pelo que tu coloca. É quase como se fosse assim: a partir do que eu crio, que vem dentro de mim, eu quero revelar algo sobre esse outro, a pessoa poder se ver revelada naquilo?
Giu Frascino: Sim.
Bia Brito: Isso seria a “semente”, que tu diz?
Giu Frascino: É, exatamente. De trazer esse lugar, esse espaço seguro. Para vulnerabilidades, para criatividade, para tempo, uma suspensão no tempo.
Eu gosto de pensar nessas sementes, nos momentos em que as pessoas talvez vão olhar aquilo como espelho, vão olhar umas às outras como espelhos também. Atualmente eu estou bem mergulhada nessa ideia da gangorra porque é o confronto entre os dois.
São Paulo é uma cidade do muito. O dois, que é a cumplicidade, é a intimidade, é evitado. Então, colocar as pessoas uma na frente da outra e dizer: vamos conversar, é desconfortável. E é preciso estarmos um pouco desconfortáveis para vermos as coisas do avesso.
Bia Brito: Duas palavras me chamaram a atenção para falar sobre Giulia e sobre a tua construção, o teu fazer no mundo. Coração, você falou que gosta muito dessa palavra. Mas uma outra que me chamou atenção na tua fala agora foi Semente. Acho que quando a gente fala o seu trabalho ser semente, sem falar mais nada, resume tudo que tá se propondo fazer.
Se a gente for pensar num resumo muito simplificado, essa semente, que vai brotar no coração do outro, vai atravessar o outro. Talvez a pessoa não chegue a lugar nenhum, mas aquilo basta para despertar.
Qual a tua busca, os teus desafios atuais?
Giu Frascino: Eu me enxergo muito nesse lugar de uma empreendedora artista. Existe muito essa busca. Pra mim, a minha mentalidade é essa: eu vou financiar meus projetos, eu acredito muito neles enquanto potência. Mas como a minha essência é mais sonhadora do que qualquer outra coisa, eu tenho ultimamente me cercado e buscado ajuda no comercial para tentar estruturar melhor como é que eu posso também transformar todos esses sonhos e sementes nessa energia financeira também, na energia do dinheiro, sabe? Que ele flua, mas é difícil entrar nessa roda dentro das áreas criativas, mas eu tenho conseguido mesmo que não seja 100% ainda. Se eu pudesse viver só das oficinas e da minha arte seria o ideal para mim, meu sonho. Mas, por enquanto, utilizo das minhas práticas paralelas, como designer, por exemplo, criando para outras pessoas, e isso também me preenche em vários lugares.
Bia Brito: Que espaços tu gostaria de ajudar a construir, literais ou metafóricos?
Giu Frascino: Espaços que eu gostaria de ajudar a construir, pensando na minha prática e no meu propósito, eu insisto na palavra intimidade. Espaços de intimidade. Seja eles em espaços físicos, ou em momentos, ou em oficinas. Mas eu desejo isso para o mundo, sabe? Eu desejo espaços de intimidade. Em que a gente não tenha medo do outro. Sabe? Que a gente não tenha medo de estar vulnerável. É muito duro. O mundo é muito duro. Isso congela o nosso corpo, sabe?
Bia Brito: Você tá falando sobre construir espaços de intimidade, eu ia te perguntar se ainda tem algo que te desafia para se afirmar enquanto mulher, artista, profissional, designer, tudo. Qual o teu desafio hoje?
Giu Frascino: Eu mesma. Eu mesma. Eu acho que nós mesmas somos nosso maior desafio. A gente pode ser a nossa melhor amiga e nossa pior inimiga. Meu maior desafio é lidar com as vozinhas da minha cabeça que falam comigo o tempo todo, às vezes, falando, não, é ruim, vai dar ruim, não vai, não sei… E aí, trabalhar aquela outra que fala: segue, é propósito, vai fundo.
Bia Brito: O que é vai dar ruim no teu cenário catastrófico? O que é dar errado?
Giu Frascino: Acredito muito que é essa insegurança que cresce no artista, desde o dia 1 em que ele resolve ouvir esse lado que precisa se afirmar o tempo todo. É exaustivo, você precisa se afirmar porque o mercado não vai te afirmar, ninguém vai te afirmar, até às vezes os teus amigos que falam que tudo que você faz é lindo, muitas vezes isso não é bom. Então é nesse sentido que é preciso se alinhar muito com a sua própria intenção. Não só se alinhar com a própria intenção, mas também entender a força do que você faz. Entender a importância.
Bia Brito: O que significa pra ti ocupar o teu espaço? Em si mesma e no mundo.
Giu Frascino: Que bonito! Que bonito essa pergunta. Os lugares que eu ocupo. É andar com a minha arte debaixo do braço, assim ó. Foi em Lisboa a primeira vez que eu senti que eu ocupei algum lugar em mim. Que louco. E foi longe do meu país. Mas estava muito perto de mim. Porque, querendo ou não, eu me distanciei de tudo que me formou já dia.
Bia Brito: Tu teve que sair do teu lugar pra encontrar o teu lugar em si.
Giu Frascino: Me levar pra passear, é. Tem um texto muito bonito que fala sobre isso, que um grande amigo escreveu pra mim uma vez, que dizia: você se procura em todos os lugares que você vai. E é uma eterna busca, mas, no fundo, você tá aí. E eu que me movimento muito, existe, sim, uma inquietude que me move e quase que não me permite, às vezes, criar raízes, né? É… E ser do mundo às vezes te faz se subdividir também em mil pedacinhos. Lisboa foi o lugar que eu senti mesmo esse empoderamento de ir sem conhecer ninguém, construir do zero uma vida completamente fértil de afetos e coisas.
Quando cheguei lá, minha arte era branco no branco, extremamente minimalista, silenciosa. E a minha arte ganhou cor. Eu consegui chegar até mim nesse sentido. Eu tinha medo da cor.
A cor veio com tudo. E veio o traço. Trabalhei com coisas muito loucas. Por isso que às vezes é difícil a gente fazer essas mudanças na vida, só que às vezes elas são muito necessárias pra gente conseguir ocupar qualquer lugar, sabe? Eu sigo tentando, eu não sinto que exista aquele momento em que a gente fala: estou completamente empoderada neste lugar. É tudo caminho, é sempre caminho.
Bia Brito: Eu falei isso algumas vezes, mas eu gosto de repetir e repetir, de novo, que ocupar-se é verbo mesmo.
Giu Frascino: É, que bonito. É verbo no gerúndio.
Bia Brito: Então, olha como visualmente, na minha cabeça já veio “ocupar-se como verbo no gerúndio” e em como você se coloriu de si mesma, sabe? Se pintou de si mesma, com todas as cores que cabem ali.
Giu Frascino: Total. É muito lindo isso. E é um processo muito íntimo nosso, que às vezes a gente acha que a gente não vai dar conta. Se eu soubesse tudo que eu ia passar em Lisboa, das partes difíceis, eu não teria ido. Mas eu estava lá. Pra vocês terem noção, o primeiro ano é isso. Na noite de Natal, eu passei o Natal sozinha. Fiquei lá e foi muito gostoso! Foi uma sensação que não sei te explicar, assim, de conquistar espaços dentro de si, que são segredos seus.
Bia Brito: Qual a palavra que você quer deixar nos lugares por onde passa ?
Giu Frascino: Gosto muito da palavra alegria. Mas alegria num lugar do entusiasmo. O entusiasmo, ele tem alguns conjuntos de palavras, né? Ele tem alegria, ele tem inspiração, ele tem faísca, eu gosto muito da palavra entusiasmo. É uma palavra que eu gosto muito de chamar pra mim. Todo dia eu peço isso na minha vida, que eu tenha entusiasmo, que eu nunca perca o entusiasmo. Então, é o que eu desejo deixar pro outro também.
Bia Brito: Agora que gostaria que tu lesse aquele teu primeiro texto…
Giu Frascino: Ah é! Vamos ler. Só tem um pedacinho. Das perguntas.
Bia Brito: Tudo bem. A gente termina com essa leitura maravilhosa.
(Dá o play abaixo e ouve junto:)
O texto que a Giu leu acima:
“Se eu começar e não acabar, falhei? Quantas vezes por dia você se começa e se termina? Posso finalmente não acabar? Ou me acabar? O que é o fim? Força para iniciar mais uma vez? Terei de forçar o fim para poder recomeçar? O fim pode estar no início? Sente-se fortalecido? Começar ainda é partir? Para começar tem que ter fim? O início e o fim não são a mesma coisa? Toda palavra é o início e o fim de qualquer coisa.”
Caso queira ouvir a conversa completa, você pode clicar no link abaixo, diretamente no Spotify.
Volta pra me contar o que achou (lá no @abiabrito).
Até a próxima!
Bia Brito.
Edição, curadoria e fotografia por Bia Brito. Todos os Direitos Reservados.
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