15.07.25

Aceitar quem eu sou, as minhas escolhas, o que eu quero pra mim. Querer poder me esticar, sem me rasgar, sem me encolher ou me alongar demais, mas ser do meu próprio tamanho. Eu diria que, pra mim, nesse momento da minha vida, é isso que representa.

Em junho de 2025 realizei a minha primeira exposição de fotografia, UM LUGAR DE SIque aconteceu em Copenhague, na Dinamarca, projeto que idealizei e construí com todo cuidado para ser parte do Esferas, evento liderado pela Amanda Paris. Nos dois últimos textos enviados na newsletter (Tente outra vez e Qual a vista do outro lado?) menciono este trabalho – que chegou na minha vida em forma de convite e foi tão, mas tão especial –, trazendo um pouco do contexto e das reflexões geradas a partir da experiência que foi vivida. 

Falo de contradição e ambivalência, da vida que permeia os nossos conflitos e realizações, que não espera tudo se acomodar para acontecer, pelo contrário: ganha força e projeção justamente nos desertos, penhascos e travessias que fazemos. Falo sobre invisibilidade. O sentimento que nos invade quando perdemos os olhos externos que outrora nos cercavam. Aqueles espelhos tão conhecidos. E a importância de aprender a se enxergar, se testemunhar e se celebrar, perceber o próprio caminho para que seja possível se reconhecer e, então, se ocupar de si e dos nossos espaços no mundo.

Um lugar de si é sobre tudo isso. É sobretudo sobre o atrevimento de ser vista sonhando, desejando, ocupando… sendo do próprio tamanho: nem maior, nem menor, mas na medida certa. A minha.

Um lugar de mim é sobre seguir acreditando: na vida, no amor, nas pessoas. Em si mesma. Na própria capacidade de seguir adiante e se reinventar. Na rede que me cerca, na convicção de que caminhos individuais não são percorridos isoladamente, pois eles podem ser feitos no plural. 

Transcrevi, abaixo, um trecho da fala e da troca que aconteceu no dia da abertura, como forma de – tentar – compartilhar deste momento o mais próximo possível do que foi, de fato. Espero que goste e se sinta parte.

Amanda Paris: Então, dessa vez a Bia chega aqui como uma parceira criativa. Onde ela vai trazer a sua arte de uma forma muito específica. Eu sei que eu não sou a única aqui que comenta sobre o olhar dela da fotografia, e, inclusive ela estava revisitando essa timeline, e percebeu que ano passado, antes de vir para o Esferas de 2024, foi quando ela comprou a câmera atual dela e começou a fazer trabalhos de fotografia (somente em novembro). É muito louco pensar que em menos de um ano a gente está aqui fazendo uma exposição, é realmente bizarro. 

Então eu quero abrir mesmo esse momento pra que todas vocês não só vejam a arte que a Bia tem pra apresentar e vejam um pouco dessa artista que ela é e que eu há muito tempo falo. 

A gente quer não só ver as obras, mas também te ouvir. Quero que você fale um pouquinho a respeito do projeto, faça uma introdução sobre o que está por vir, e aproveito pra fazer esse convite para vocês também ocuparem outros espaços assim como a Bia está ocupando o dela. 

Bia Brito: Quero começar te agradecendo pelo convite. Vocês vão ver lá na sala da exposição, ao final do livreto impresso, no agradecimento, eu falo para a Amanda que o tema inteiro do meu projeto passa por retratar mulheres que se ocupam de si mesmas e dos seus espaços no mundo. Eu falei pra ela que eu gostaria que ela soubesse que esse convite também me convocou a ocupar o meu. Porque enquanto eu construí esse projeto e essa exposição, foi isso que eu fiz, foi isso que eu senti. Então, enquanto eu estava retratando e falando a respeito de outras mulheres, como uma forma de inspirar vocês e convidá-las também a fazerem esse movimento de ocupar-se, eu estava fazendo o mesmo por mim. 

Acredito muito que o que a gente coloca no mundo, no nosso trabalho, na nossa vida, é muito mais bonito se, ao fazer isso, a gente sai da teoria e vive aquilo na prática. E, dando um passinho pra trás, (…) eu fiquei refletindo antes de vir pra cá que eu não gostaria que vocês entrassem naquela sala sem ter dimensão do que isso representou para mim e qual era a vida pessoal que estava entrelaçada enquanto eu desenvolvia esse projeto e o que isso representa de fato. A fotografia entrou na minha vida junto de um momento específico, muito desafiador. E ela surgiu quase como uma corda de segurança, porque ao mesmo tempo que nesse processo eu me reconstruía (e eu atravessei um grande deserto e vivi coisas que eu não imaginava), a fotografia estava ali como um espaço novo e amplo, livre e inteiramente meu. 

Nessa trajetória, lembro de pensar que eu não tinha mais ninguém testemunhando os meus esforços, o meu crescimento, aquilo a que eu me dedicava… e eu nunca havia me sentido tão invisível. Eu me dei conta que esse sentimento de me sentir invisível vinha do fato de que, sim, a gente se constitui a partir dos olhares dos outros. Mas a gente precisa se enxergar também. Porque pra gente se ocupar de si mesma, a gente precisa ver o que tá ali. 

Quando eu olho a sincronicidade de todos esses dados, períodos, tudo me emociona, pois a gente se constitui enquanto seres humanos e indivíduos também a partir do espelho e do que o outro pensa da gente. O nosso senso de identidade, o que a gente sabe a respeito de nós mesmas se constitui a partir do que o outro diz sobre nós. Mas não só. Então esse processo, ele foi um processo de aprender a ser testemunha da minha própria vida e aprender a me celebrar e testemunhar a minha própria existência, o meu crescimento, as minhas conquistas e vibrar por isso, não desconsiderando o olhar externo, porque a gente precisa (a gente é interdependente uns dos outros), mas entendendo que não adianta de nada o outro enxergar a gente se a gente não percebe isso por nós mesmas. 

De uma outra maneira, enquanto eu aprendia a me celebrar e a ser testemunha de mim mesma, sem esse olhar externo, eu estava fazendo isso com a história de outras mulheres. 

Então, eu sinto que foi um aprendizado muito mútuo. Enquanto eu me colocava a serviço de outras pessoas, a partir da imagem e do meu olhar, de alguma maneira aquilo me devolvia para mim também. Porque eu ia ocupando um espaço que me é tão próprio e é tão autêntico e eu me sinto tão eu. Porque quando eu tô com a câmera na mão, eu entro em flow e nada mais existe. É um lugar de completo esvaziamento do externo, porque eu tô completamente preenchida de mim. Então, esse exercício… poder fazer isso com certeza foi um resgate que me devolveu e me preencheu de volta. 

Esse processo de ocupar o nosso espaço e a gente se encher de si e não se desculpar pelo nosso desejo, que não é grande, não é pequeno demais, mas poder se espalhar e se preencher sem se desculpar por isso, sem sentir constrangimento. Se permitir e se atrever ser vista, se atrever diante do outro e publicamente ser pega no flagra sonhando, acreditando em si mesma, dizendo quem sou eu? Sim, eu sou desse tamanho, eu quero fazer isso aqui, eu quero ocupar esse espaço e não me constranger por isso. Não tem prepotência nenhuma a gente só desejar e sonhar e entender que a gente não precisa baixar a nossa régua e reduzir nossas expectativas diante daquilo que a gente quer.

Nenhum sonho é grande demais ou pequeno demais, eles são só nossos, eles são do nosso tamanho, a gente precisa falar em voz alta. Os nossos desejos não deveriam nos constranger. E eu acho que, pela primeira vez, eu estou fazendo isso aqui. Poder materializar isso com tanto cuidado e carinho, e estar do jeitinho que eu queria que estivesse, dentro das limitações da construção que a gente fez foi muito significativo. 

Eu estar aqui hoje fazendo tudo isso é só um lembrete de que a vida presta, a vida é boa, ela segue. E que há vida, há muita vida, o mundo é grande, apesar da dor, dos desafios que a gente atravessa. E eu não acho que os nossos lutos e dificuldades diminuem de tamanho dentro da gente. Mas tem uma vida inteira que se expande e se amplia em torno deles. 

E eu queria que vocês entrassem naquela sala com esse sentimento, com essa perspectiva. 

Amanda Paris: Como foi esse processo? O que quis propor com a fotografia?

Bia Brito: Quando eu penso em processo criativo, e que você falou, na proposta, “é uma sala livre, o que a gente vai expor ali?”… Eu lembro de entender que o diferencial do meu trabalho, para além do meu olhar e do meu ponto de vista, é o arco narrativo, as histórias que a gente tá contando (eu e as mulheres que trabalho junto). Então eu decidi que eu gostaria que, em primeiro lugar, esse espaço que vocês vão acessar fosse lugar de inspiração, para que refletissem. 

Então antes mesmo de chegar aqui eu estava realizada já com o projeto. Só o processo de fazê-lo já alcançou, teve o impacto que eu gostaria na vida de cada uma das mulheres que foi convidada a participar, porque foi super potente pra elas parar para pensar e responder a pergunta proposta. Então, além do trabalho de retratação e expressão imagética que foi feito, elas puderam falar sobre isso. (E isso me realizou muito).

A fotografia, pra mim, eu quero que ela seja um convite, para que quando você entre em contato com a imagem, ela já diga um pouco sobre a mulher que está ali retratada, mas que ao mesmo tempo te convide a querer saber mais sobre ela. A foto já diz muito, mas não conta toda a história. Então, pra mim, a fotografia, ela soa como esse convite. Eu gosto muito de retratar também parte dos rostos, dos corpos, do movimento, a pessoa só existindo. É um lembrete de que eu não preciso me expor de maneira que não fale sobre mim, ou forçar algo… existe uma subjetividade que ela é mais delimitada e não é tão escancarada, não pede tanto palco, é mais discreta, mas pode dizer bastante da pessoa.

Amanda Paris: Cada mulher respondeu a sua provocação, então queria estender e perguntar, pra você, o que significa ocupar o seu espaço?

Bia Brito: Eu vim refletindo sobre isso desde que fui provocada, obviamente, o que é pra mim ocupar o meu espaço? Muita gente fala sobre não pedir permissão, sobre os lugares, as histórias dos outros, ou aprender a dizer não, ou caber no próprio tamanho. Pra mim, ocupar o meu próprio espaço, me ocupar de mim mesma, representa muito aprender a me sustentar nas minhas duas próprias pernas. Porque esse foi um movimento muito recente. Aquilo que eu disse de aprender a me celebrar e ser testemunha de mim, também tem a ver com confiar em mim mesma para caminhar. ‘Você não precisa se apoiar em ninguém, você dá conta de andar’, pensava.

Aprender a me ocupar de mim é sustentar que eu dou conta de ir adiante, que posso bancar as minhas escolhas a partir de mim mesma, por mais que isso confronte ou desagrade as pessoas ao redor. E aprender a me celebrar e enxergar o meu tamanho é parar, pela primeira vez, de diminuir meus próprios desejos. Porque eu já sofri muito me perguntando por que eu queria tanto da vida. E aí você tenta adequar, dizer para si que determinada coisa é boa o suficiente. Não é suficiente. 

(Eu conheci uma mulher na semana passada, em Paris, que tem 72 anos, a Savine. E ela olhou pra mim e disse que ela tem uma mensagem que ela carrega na vida, como uma filosofia, que é “keep up with your own expectations”. Não baixar a régua, entendeu? Você tem suas expectativas, go for it. E ela mantém as expectativas dela altas, e vai buscar, porque é a vida que ela quer viver. E isso, pra mim, é se ocupar de si.) 

Então, não, não é bom o suficiente. Eu quero mais. Eu quero essa outra coisa. E isso não é grande demais. Isso não é querer muito da vida. É o que eu quero. Então, me ocupar de mim, ocupar meu espaço é finalmente admitir isso, sabe? 

Entender, aceitar quem eu sou, as minhas escolhas, o que eu quero pra mim. Querer poder me esticar, sem me rasgar, sem me encolher nem me alongar demais, mas ser do meu próprio tamanho. Eu diria que, pra mim, nesse momento da minha vida, é isso que representa. 

Participante Be Machado: Ouvindo os áudios, algum lugar dentro de mim perguntou por que elas já descobriram esse lugar de si e eu ainda não? Mas aí quando você começa a ouvir, e até reflete na pergunta, dá alívio, uma paz no coração do tipo, se eu refletir um pouquinho, talvez eu também saiba. Então, eu acho que é… Eu acho que é esse o desconforto da arte.

Bia Brito: Para mim não tem chegada, não tem um horizonte, né? É um processo. Então quis retratar mulheres falando o que é ocupar a si mesmas, elas estão no processo ou atravessando alguma coisa. Ninguém chegou “no topo” de nada. Tá cada uma na sua estrada, assim como cada uma de nós aqui. Isso também era um ponto importante que eu queria trazer, assim, de… Ocupar a si mesma e os nossos espaços é verbo, é caminho mesmo. Não é um lugar que a gente chega e acabou. 10 anos atrás, se eu perguntasse isso para cada uma, a resposta seria outra, certamente. (Estamos sempre mudando).

Você pode ler mais sobre a exposição, e acessar o conteúdo na íntegra, em versão digital, clicando neste link para acessar o site,  ou através do instagram do projeto, clicando aqui.

A exposição Um Lugar de Si terá passagem por Belo Horizonte, no dia 1º de agosto de 2025, às 14h00, na Casa Simetria. A exibição será acompanhada de uma roda de conversa comigo, que acontecerá às 15h00. A Casa está localizada na Alameda Óscar Niemeyer, 1021, S. 41 – Vila da Serra. A entrada é gratuita, mas as vagas são limitadas. Confirme sua presença enviando um e-mail para umlugardesi@biabrito.com.